Para uma teoria etnográfica da distinção natureza e cultura na cosmologia juruna

Tânia Stolze Lima
1999 Revista Brasileira de Ciências Sociais  
Em seu célebre paralelo entre os estudos da histeria e do totemismo, Lévi-Strauss reporta-se a uma situação em que o pensamento do cientista contaria mais do que aquele das pessoas estudadas, as quais se tornam, por isso mesmo, "mais diferentes do que são" (Lévi-Strauss, 1974, p. 5). Essa imagem me vem à mente quando me encontro diante de certas caracterizações das cosmologias indígenas amazônicas através de noções como antropocentrismo ou animismo, que lembram diretamente a ilusão totêmica,
more » ... r dizer, a idéia de que seria possível deduzir dos materiais etnográficos a identidade entre animalidade e humanidade, natureza e cultura. Partindo do fato óbvio de que as definições em extensão e em compreensão dos termos natureza e cultura são produtos culturais ou históricos, argumentarei que a diferença entre os regimes de funcionamento dessa distinção é um fato etnográfico mais significativo que a diversidade de conteú-dos que ela pode assumir segundo as épocas e as culturas. Primeiro farei algumas observações breves a respeito dessa distinção na Antropologia, para depois passar à etnografia juruna. 1 Natureza e cultura segundo nós mesmos Quando consideramos os dois termos como macroclasses entre as quais todas as coisas podem sem distribuídas, situamos os humanos em ambas as classes e, nesse lance, submetemos a distinção a um esquema concêntrico. Quem melhor ilustra esse método é, talvez, Lévi-Strauss (1967 e 1976. A natureza compreende (possibilita e em certo sentido determina) a cultura; esta é parte e uma certa modalidade de expressão da natureza. Mesmo para um antropológo que, como Sahlins (1976), recuse o reducionismo abstrato de Lévi-Strauss e sustente que é a cultura que determina a natureza, parece impossível escapar de uma leitura concêntrica da distinção. De resto, encontra-se na obra de Lévi-Strauss não apenas ambas as maneiras de conceber a relação mas também uma síntese dos dois modelos, exprimindo a idéia de que a natureza exige ser determinada pela cultura. * Este trabalho foi apresentado no GT de Etnologia Indígena, coordenado por Dominique Gallois e Denise Fajardo, XXII Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, MG, outubro de 1998. Quero agradecer-lhes e aos demais participantes do GT por seus comentários, e também a Stela Abreu, por sua cuidadosa leitura crítica, e a Aparecida Vilaça.
doi:10.1590/s0102-69091999000200004 fatcat:w5lnhheqprcwpornscknqdusiy