Luz e sombra: 100 imagens do mundo operário no limiar do século XX
Nuno Martins
2022
A imagem visual tem sido utilizada, desde sempre e em todas as geografias, como veículo de comunicação e projeção do poder político. Terreno fértil e fascinante para cruzar em várias disciplinas, tem sido objeto para uma vasta produção de investigação, sobretudo na esfera anglo-saxónica. Contudo, em Portugal, o estudo sistemático no domínio da cultura visual é ainda frágil não obstante alguns importantes trabalhos 1 . A imagem visual, nos seus vários suportes, tem sido, sobretudo, utilizada
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... um artefacto ilustrativo do texto, sem ser inquirida per si nas suas múltiplas valências e potência. Na economia deste texto, não se pretende fazer algum tipo de estudo temático ou de caso, mas sim, expor um conjunto documental fotográfico organizado em quatro módulos, o qual, para além de registar momentos e aspetos ligados à indústria e ao operariado em Lisboa, num espectro cronológico entre os últimos anos do século XIX e a entrada da segunda metade do século XX, pode contribuir com valor de fonte para estudos nos domínios da história, da antropologia, da sociologia, entre outros. Desta forma, cada módulo é constituído por várias fotografias selecionadas no acervo do Arquivo Municipal de Lisboa, acompanhadas por uma síntese de enquadramento. A produção historiográfica -política, social, económica -dos séculos XIX e XX português é reputada e vastíssima, e a centralidade desta Documenta é a fotografia como significante. Por isso, os capítulos não têm a ambição de serem peças de argumentação de âmbito historiográfico, mas, sim, apontar para os contextos em que as fotografias foram realizadas, e sugerir enquadramentos para a imagem e os seus significados. Os indícios podem ser vários: o diálogo entre um produtor e um recetor -pela representação, intermediação, leitura e receção -, o que revela ou omite, a escolha do objeto, a opção técnica e estética, os códigos de figuração simbólica, os locais escolhidos, a biografia social e política do autor, o contexto de encomenda, a finalidade objetiva e subjetiva 2 . Ou seja, numa inversão à tendência ilustrativa, aquilo que a fotografia pode oferecer de informação se devidamente interrogada enquanto significante. 1 Ultrapassando os limites que se concentram na história da fotografia, e recorrendo à sua utilização como fonte na perspetiva da cultura visual, com múltiplas abordagens, vejam-se os trabalhos sobre a produção e circulação de ideias, pessoas e imagens de Filipa Lowndes Vicente, sobre resistência e conflito de Afonso Dias Ramos, ambos em contextos coloniais, de Nuno Pinheiro no âmbito da História Social, ou Ana Gandum, a respeito da circulação da imagem fotográfica no circuito da emigração, bem como, os trabalhos apresentados no colóquio O império da Visão: fotografia no contexto colonial português (1860 -1960), ICS, 26-27 de setembro de 2013, nos domínios da representação de género, classificação, controlo populacional e sanitário, estudos antropológicos, identidade ou construção de saberes. 2 Para o sentido de representação social e da sua inteligibilidade à audiência, ver CHARTIER, Roger -A história cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1988. Para a noção das camadas de informação encerradas no significante, e a capacidade de perceção e leitura, bem como os diferentes tipos de receção, veja-se PANOFSKY, Erwin -Estudos de iconologia: temas humanísticos na arte do renascimento. Lisboa: Editorial Estampa, 1995. É ainda útil recorrer-se ao entendimento proposto por Foucault, de que entre o real e uma ideia há uma proposta de relações intermediadas por convenientia, ou similaridade, aemulatio, analogia e simpatia, v. FOUCAULT, Michel -As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Lisboa: Edições 70, 2002.
doi:10.48751/cam-2020-13114
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