Classificações em psiquiatria: uma história conceitual

German E. Berrios
2008 Archives of Clinical Psychiatry  
Resumo Contexto: As análises históricas sobre classificações psiquiátricas foram até agora escritas sob uma perspectiva preconcebida. Essas análises assumem duas pressuposições: 1) a ação de classificar é inerente à mente humana; e 2) os 'fenômenos' psiquiátricos são objetos naturais estáveis. Objetivos: O objetivo deste artigo é fornecer um esboço da evolução das classificações psiquiátricas sob o ponto de vista da história conceitual*, que pode ser definida como uma investigação teórica e
more » ... rica dos princípios, das técnicas e dos contextos nos quais os alienistas conduziram sua tarefa classificatória. Assume-se que todas as classificações psiquiátricas sejam produtos culturais e procura-se responder à questão da possibilidade de os modelos classificatórios importados das ciências naturais serem aplicados a construtos humanos (tais como doença mental), por definição baseados em 'semânticas personalizadas'. Métodos: Exemplares da atividade classificatória são primeiramente mapeados e contextualizados. Sugere-se, então, que em cada período histórico a elaboração de classificações tenha-se dado como num jogo de xadrez, em que todo movimento é governado por regras. Isso é ilustrado por uma análise do debate francês sobre classificações, ocorrido em 1860-1861. Resultados e conclusões: 1) A medicina não é uma atividade contemplativa, mas, sim, uma atividade modificadora; portanto, as classificações têm valor apenas na medida em que possam produzir novas informações sobre os objetos classificados. 2) O fato de as classificações não funcionarem bem (ou seja, de se comportarem como meros instrumentos descritivos) não significa que devam ser abandonadas. O trabalho conceitual precisa continuar identificando 'invariantes' (ou seja, elementos estáveis que ancorem as classificações à 'natureza'). 3) Na medida em que os transtornos mentais representam mais do que epifenômenos comportamentais envolvendo alterações moleculares estáveis, as invariantes 'neurobiológicas' podem não funcionar adequadamente. A estabilidade depende de contingências temporais (conjunturas). Além disso, é improvável que classificações baseadas em genes venham a ser consideradas como classificação de transtornos mentais. Elas teriam baixo poder preditivo pela falta de informação sobre os códigos definidores de doença mental. Por outro lado, as invariantes 'sociais' e 'psicológicas' têm seus próprios problemas. Berrios, G.E. / Rev. Psiq. Clín 35 (3); 113-127, 2008 Palavras-chave: Classificação, diagnóstico, categoria natural, psiquiatria, taxonomia. Abstract Background: Historical accounts of psychiatric classifications have hitherto been written in terms of a 'received view'. This contains two assumptions, that: (i) the activity of classifying is inherent to the human mind; and (ii) psychiatric 'phenomena' a restable natural objects. Objectives: The aim of this article is to provide an outline of the evolution of psychiatric classifications from the perspective of conceptual history. This is defined as a theoretical and empirical inquiry into the principles, sortal techniques and contexts in which alienists carried out their task. It Este artigo é dedicado ao Dr. Mikuláš Teich, um dos grandes historiadores da ciência do século XX, por ocasião de seu octogésimo aniversário. Tenho tido o privilégio de desfrutar, primeiro em Oxford e agora em Cambridge, de seus ensinamentos e amizade. * História conceitual designa um ramo das ciências humanas que se ocupa da semântica, etimologia e mudanças no significado dos termos como parte importante na compreensão cultural, conceitual e lingüística contemporânea. Trata da evolução dos paradigmas como sistemas de idéias ao longo do tempo, com base na compreensão de valores e práticas particulares de cada período histórico [NT -nota da tradução].
doi:10.1590/s0101-60832008000300005 fatcat:q4cbd675jjh5da2uikbdlr3exa