Revista Perspectiva Sociológica, n. 18, 2º sem
Resenha Por, Paula Menezes
2016
unpublished
A tradução deste livro, 35 anos depois de sua publicação original em inglês, revela as carências e ausências do debate acadêmico que substancializa o estudo de desigualdades cruzadas, ou como mais propriamente se tem chamado, a interseccionalidade. No Brasil, são muitos os estudos sobre a classe trabalhadora, mais alguns muitos sobre a questão racial, também outros sobre as mulheres trabalhadoras: porém, a dificuldade reside em análises substanciais, como a de Angela Davis, que se constrói
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... bases históricas, não apenas anunciando ou afirmando a conexão de opressões, mas privilegiando uma costura destes elementos em termos concretos. O resultado é um conjunto de contribuições que não se reduzem a apenas um tema: temos aqui uma obra cuja potência se abre em várias direções, desde a análise sobre a cultura do estupro na constituição da sociedade racista-patriarcal-capitalista até a própria discriminação racial no seio do movimento feminista estadunidense. Hoje, Angela Davis, professora emérita da Universidade da Califórnia, se dedica a estudos sobre prisões, liberdade e representações da mulher negra. Sua perspectiva, que procura nas articulações entre sexismo, racismo e capitalismo a compreensão de inúmeros fenômenos, permanece, desde seus primeiros estudos, como sua contribuição mais relevante. Entretanto, o livro que apresentamos é sem dúvida sua obra mais reconhecida pela profunda influência que teve não apenas ao defender a articulação entre as hierarquias baseadas no sexo, raça e classe social, mas igualmente pela qualidade de pesquisa histórica que dá base a seus argumentos. O primeiro capítulo sintetiza as principais teses da autora ao longo do livro, evidenciando a especificidade da mulher negra na sociedade estadunidense. O tema do matriarcado negro é logo de início tratado pela autora, trazendo a contribuição de Herbert Gutman e seus argumentos, para defender que a história das mulheres negras deve ser recuperada desde a escravidão para compreender, de modo concreto, "o papel multidimensional das mulheres negras no interior da família e da comunidade escrava como um todo" (17). Em seguida, ela afirma que a importância do trabalho, ou seja, o papel atribuído às mulheres escravas como trabalhadoras/produtoras (trabalhadoras domésticas, mais ao Norte e agrícolas, mais ao Sul) é um dos aspectos centrais da identidade e dominação deste grupo. Neste sentido, o aspecto do trabalho aproximava homens e 1 Doutora em Sociologia.
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