Cidades outras: pobreza, moradia e mediações em trajetórias urbanas liminares
[thesis]
Thaís Troncon Rosa
Concluindo este doutorado, faço as pazes com minha formação, minhas opções profissionais, meus rumos acadêmicos. No fim da graduação, deixei a universidade incerta de que regressaria; ansiava por experiências práticas, por um "corpo a corpo com o real". Quase quinze anos depois, tendo construído uma intensa atividade prático-profissional, passado por um enriquecedor mestrado em história, iniciado uma desafiadora atividade docente, e encerrado o percurso acadêmico e intelectual que o doutorado
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... presenta (e que se abre agora a novas possibilidades), lanço um olhar generoso à minha própria trajetória e vejo que suas várias tramas se entrelaçam na indissociabilidade entre questões sociais e urbanas que desde então já julgava importantes. Nessa trajetória e, mais especificamente, nos últimos -e intensos -quatro anos e meio em que estive imersa nesta pesquisa de doutorado, me fiz acompanhar de pessoas que, de perto ou de longe, foram fundamentais para que esse momento, enfim, chegasse. Assim, longe de ser uma formalidade, estes agradecimentos são também um registro do percurso (entre prazeroso e sofrido) que resulta nesta tese, que, sem os tantos apoios, incentivos, ensinamentos, contribuições que recebi, certamente não teria se concretizado. É com alegria e gratidão, portanto, que encerro essa etapa e abro esta tese. Cibele Rizek já me acompanha, ora mais próxima, ora mais distante, desde os primeiros dias no curso de arquitetura e urbanismo: devo a ela, certamente, o "olhar para o social" que desde então se fez presente em mim. Foi ela quem me ampliou as perspectivas sobre espaços, cidades, urbanidades, me mostrando seus complexos imbricamentos com as dinâmicas sociais. Sua participação em minha banca de mestrado foi decisiva para que eu decidisse regressar ao "campo da arquitetura e do urbanismo"; somente sob sua arguta orientação me seria possível empreender a experiência em que se configurou esta pesquisa. Durante estes anos de doutorado, Cibele foi, a um só tempo, orientadora e amiga; ofereceume inspiração e interlocução; acreditou em minhas ideias, em alguns momentos, mais do eu mesma, tendo paciência e delicadeza com minhas (muitas) crises de insegurança. Além de ler, questionar, comentar, criticar e elogiar tudo que escrevi, Cibele ainda me forneceu o exemplo de uma vida dedicada à universidade. Palavras são pouco para lhe agradecer. Ainda no mestrado, ter tido as oportunidades de ser orientada por Silvana Rubino e de estabelecer um diálogo com Heitor Frugoli Jr. foi decisivo nos rumos que este doutorado tomaria: agradeço por me abrirem os caminhos da interlocução junto à antropologia urbana, e por terem me ensinado a "prática restrita da interdisciplinaridade", nos moldes de Lepetit. Ao lado de Cibele, outras duas pessoas foram fundamentais para que eu conseguisse delinear minhas questões de pesquisa e, principalmente, colocá-las em prática no trabalho de campo, auxiliando esta urbanista a se aventurar pela etnografia. Isabel Georges, ofereceu, com Cibele, um curso precioso no PPGAU-IAU/USP, a partir do qual nasceu uma frutífera interlocução. Seu interesse por mim, por minha pesquisa, por minhas questões foram de uma generosidade inestimável: entre cafezinhos e almoços, iluminou momentos encruados do trabalho. Agradeço ainda o convite para participar do Grupo de Estudos sobre Trabalho, Políticas Sociais, Participação e Gênero, na UFSCar. Gabriel Feltran, antes de se tornar professor e referência bibliográfica, era já um querido amigo: dessa somatória decorre o A concretização da pesquisa de campo só foi possível porque encontrei interlocutores dispostos a dela participar, que me abriram suas casas, me receberam junto a suas famílias e vizinhanças, me permitiram conhecer suas histórias e experiências, se dispuseram a narrálas, me descortinaram 'cidades outras'. Dando-me muito mais do que eu teria a oferecer em troca, a Núbia, Jimmy, Joana, Ryan, Jefferson, Beatriz, Marielen, Jairo -e a todas as outras pessoas com as quais tive contato e que observei em campo -não tenho como agradecer, senão acreditar no estatuto político que um trabalho intelectual de viés etnográfico como este pode ter frente a sociedades e cidades tão desiguais. Sem os parceiros e amigos, de longe e de perto, de antes e de agora, esse período teria sido mais árduo e menos prazeroso. Alguns, como Regina Oliveira e Rosamaria Giatti talvez nem tenham se dado conta do quanto, por vezes, um simples conselho, o comentário de um esboço, ou a leitura atenta de um capítulo me indicaram caminhos e reforçaram minha autoconfiança. Rosamaria é, além de amiga, parente, sendo portanto uma raridade: alguém com quem compartilho o cotidiano e o extraordinário, as agruras da vida e os ideais políticos, as fofocas e as reflexões intelectuais. Lucia Shimbo generosamente me forneceu textos e informações sobre o Programa Minha Casa Minha Vida, e me despertou a vontade de novos rumos de pesquisa. Outros, de todo dia, para qualquer hora, que são cúmplices de vida e de trabalho, com quem compartilho incertezas e rumos, e a quem agradeço por estarem sempre por perto (mesmo quando estão longe!): devo meu 'mergulho' definitivo, há quinze anos, no universo de favelas e periferias. Magaly Pulhez se refez em presença importante no dia-adia, entre filhos, escritas e aulas, e me ofereceu ajudas cruciais na etapa de finalização da tese. Seu apoio se soma a outras três presenças femininas em minha vida, sem as quais eu teria certamente desabado neste último ano: Bianca Habib, Manuela Souza e Renata Peres. Amigas de uma vida, sem o suporte físico e afetivo dessas mulheres eu, mãe de duas crianças pequenas, finalizando a tese e iniciando uma atividade docente, jamais teria chegado até aqui. A todas elas agradeço pelo inestimável apoio e carinho com as crianças, e mais: a Manu, pelas palavras sempre carinhosas e animadoras, pela comida deliciosa e pelas festas que renovaram minha energia nesse período; a Bianca por seu apoio inconteste, por nossa afinidade que tanto me alimenta e, como se não bastasse, por ter ainda feito os mapas que acompanham a tese; a Re, pela história que construímos juntas e que nossos filhos seguem construindo, por nunca me deixar cair, por infinitas vezes me fazer recobrar a autoconfiança e por me aguentar, durante esse último ano, falando quase que exclusivamente da tese. Agradeço também à nova geração da Teia -casa de criação, organização que me orgulho muito de ter fundado e que foi crucial em minha formação profissional, e da qual pude me afastar sem dor, na certeza da continuidade -ainda que por outros rumos -do trabalho ali desenvolvido. Como não poderia deixar de ser, registro aqui minha imensa gratidão aos professores e funcionários da Creche e Pré-escola USP -São Carlos: a entrada de meus filhos nessa escola incrível foi das grandes oportunidades que este doutorado me brindou, não apenas porque, com isso, eu pude trabalhar tranquila, mas principalmente porque em nenhuma outra escola da cidade eles teriam a formação e o afeto que ali lhes foi oferecido. Agradeço, ainda, à Ju Santos por topar cuidar das crianças quando comecei a dar aulas à noite, e por tornar essa ausência mais fácil para eles; e à Lu Silva por ser minha fiel escudeira em casa, pelo cuidado com minha família e pelo exemplo de vida que me dá. A Nadya e Lumumba, talvez não fossem necessárias palavras, mas faço questão de registrálas: obrigada por ajudarem a me reencontrar com o sagrado do mundo, e por cuidarem de mim, independente da distância física. Chegando ao fim desta longa seção, a imensa gratidão aos familiares, que tanto sentiram o impacto deste último ano imersa na tese. Aos meus sogros Marli e Afonso agradeço o acolhimento, o carinho, o incentivo; agradeço ainda às tantas vezes que cuidaram de meus pequenos, para a "mamãe poder trabalhar". À Marli devo, ainda, um agradecimento mais que especial: afinal, que outra sogra se disporia a passar um mês fora do país, para que a nora pudesse manter os planos de realização do estágio-sanduíche, porque o marido teria um compromisso profissional no primeiro mês da viagem? A meus pais, Sergio e Maria Inês, tanto já agradeci, tanto tenho ainda a agradecer! Pela vida, pelo exemplo, pela liberdade, pelas oportunidades; por ser quem sou, por ter sempre com quem contar, pelo amor incondicional que dedicam a mim e a meus filhos. Por entenderem minhas ausências, por me acalentarem em minhas crises, por me socorrerem com as crianças. Por acreditarem no meu trabalho, mesmo nem sempre entendendo meus caminhos e escolhas e, mais, por me apoiarem também nisso: mãe, obrigada pelas horas dedicadas à revisão a um só tempo primorosa e respeitosa desta tese! Às minhas irmãs Sílvia e Flávia agradeço por, mesmo distantes fisicamente, serem sempre parte do que sou, e estarem sempre na torcida. Aos amores da minha vida, a quem dediquei esta tese: Daniel, companheiro de uma vida, Caio e Nuno, nossos filhos, só vocês sabem o quão sofrido foi chegar até aqui. As palavras não dão conta de expressar toda a gratidão que sinto por vocês, e talvez diminuam a imensidão do que fizeram por mim nesse período, e que fazem todos os dias. A Daniel agradeço, acima de tudo, por me fazer ir até o fim neste percurso, e não desistir de me acompanhar mesmo nos períodos mais cinzentos. Agradeço ainda por ter cuidado das coisas da vida e do cotidiano e, principalmente, das crianças nos últimos tempos, deixando de lado suas próprias atividades profissionais e pessoais para que eu pudesse concluir a tese. Sei bem o quanto são raros os companheiros que se dispõem a isso, e isso me faz te admirar ainda mais. Pela vida, pela casa e pelos sonhos compartilhados, e pela possibilidade de sempre recomeçarmos. E, como se fosse pouco, ainda há mais: pelas estimulantes reflexões, por ser meu leitor e crítico, pelas tantas sugestões e incentivos a este trabalho, que carrega, também parte dos ideais que desde sempre nos uniram. Caio, Nuno: quando penso em vocês, nesse momento, lágrimas me caem dos olhos... Nestes anos do doutorado, Caio deixou de ser bebê e se tornou um pequeno-grande companheiro; Nuno nasceu e me inundou de ainda mais amor, completando nossa família. Só nós sabemos o quanto minhas ausências, nesses últimos meses, nos custaram... Agradeço a vocês por terem esperado (nem sempre pacientemente!) a mamãe finalmente terminar "esse doutorado", que vocês tanto queriam saber o que era: Caio estava, já, em contagem regressiva para a entrega! Agradeço pelos sorrisos, carinhos, abraços e beijinhos quando eu mais precisava... pelas brincadeiras fora de hora, que me traziam de volta à vida nos períodos mais desgastantes. Agradeço, enfim, por existirem: vocês dão um sentido maior a este trabalho, às minhas perspectivas, à minha vida. Claro calar sobre uma cidade sem ruínas (Ruinogramas) | Paulo Leminski Em Brasília, admirei. Não a niemeyer lei, a vida das pessoas penetrando nos esquemas como a tinta sangue no mata borrão, crescendo o vermelho gente, entre pedra e pedra, pela terra a dentro. Em Brasília, admirei. O pequeno restaurante clandestino, criminoso por estar fora da quadra permitida. Sim, Brasília. Admirei o tempo que já cobre de anos tuas impecáveis matemáticas. Adeus, Cidade. O erro, claro, não a lei. Muito me admirastes, muito te admirei. Palavras-chave: periferias urbanas, trajetórias urbanas, moradia popular, pobreza, política habitacional, processos socioespaciais 51 Anos 1990: ocupações como condição de permanência no centro 63 Uma trégua na praga de cigano: a fixação em uma ocupação periférica 75 De lugar tranquilo a lugar pesado: novas dinâmicas socioespaciais 83 Uma (breve) aproximação à moradia como direito 91 De volta à vida de aluguel, nas fronteiras da cidade 106 Políticas habitacionais (e sua reconversão em mercado popular) 123 [ENTREMEIO I] Política habitacional e mercado imobiliário informal: imbricamentos 137 2. NOVAS POBREZAS, NOVAS PERIFERIAS? Dinâmicas familiares e deslocamentos habitacionais até a conquista da "casa própria" 155 Parque Novo Mundo e Jardim Zavaglia: novos territórios tão próximos e tão distantes 193 A fixação nos novos bairros: alguns fragmentos de um longo processo 216 Processos movediços: entre fixação e novos deslocamentos 237 [ENTREMEIO II] O urbano em ato: territorialização da pobreza e produção de uma 'centralidade periférica' 241 3. PARA ALÉM DA MORADIA E DA POBREZA: vulnerabilidades territorializadas Deslocamentos habitacionais: moradia e gênero, segundo ato 259 Uma experiência urbana entre a fixação espacial e os trânsitos sociais 273 Dinâmicas socioespaciais fronteiriças: mediações de uma mãe de bandido 280 Saberes e lógicas territoriais 295 A casa manjada e as reconfigurações na relação com o bairro 310 [ENTREMEIO III] Expansão urbana, classificações socioespaciais e linhas de clivagens nos territórios populares 327 CONSIDERAÇÕES FINAIS 349 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 363 ANEXO _ mapas 381 Cada aldeia, vila ou cidade não é somente um lugar no espaço, mas um drama no tempo. | Patrick Geddes Esta pesquisa trata de cidades 1 , ainda que seu campo empírico tenha se concentrado em uma única cidade, tal como se cristaliza em unidades territoriais, governamentais ou conceituais. Uma questão de fundo, quase filosófica, a orienta: o que é 'a cidade' 2 ? De que é feita, por quem e para quem e, principalmente, como se faz ou se deixa fazer? 3 Tal questionamento decorre de um olhar para a cidade a partir de suas margens 4 , anterior e fundador de toda minha trajetória como urbanista e pesquisadora: refletir 1 Vale remeter, aqui, à feliz abordagem de Fortuna e Leite (2009:7 -grifos no original): "Plural de cidade são as cidades que existem dentro da cidade. Não é um conjunto diverso de cidades, nem uma questão de geografia. Plural de cidade são os territórios díspares que fazem a cidade, as políticas sóciourbanas e a sua ausência, o atropelo aos direitos e as paisagens de privilégio, as formas de segregação e ostentação, a cultura, a saúde, o emprego, o dinheiro, o futuro e, ao mesmo tempo, a falta de todos eles. Plural de cidade é a conjugação destas cidades numa só. E em todas elas." 2 Ao longo da tese, serão utilizados os seguintes critérios gráficos: termos ou expressões êmicas serão indicados em itálicos; quando se tratar da reprodução de um trecho mais longo no corpo do texto, este constará ainda entre aspas. Palavras, expressões ou citações entre aspas e não em itálicos referem-se a conceitos, categorias, fontes bibliográficas ou outras fontes documentais escritas (jornais, atas etc) e virão acompanhadas das respectivas referências. Palavras ou expressões minhas, sem grifo especial e entre aspas simples, indicam destaque, problematização, coloquialidade, suspeita ou ironia. 3 Questões que me levaram às reflexões de Agier (1999, 2011). Para uma abordagem do pensamento filosófico sobre as cidades, ver Ansay (1998). Questionamento semelhante, de certa forma, acompanhou minha formação em arquitetura e urbanismo e meu mestrado em história (Rosa, 2008), desde então atenta às relações imbricadas entre espaço e sociedade, a outros aspectos do espaço urbano que não somente os físicos, às relações estabelecidas -não sem conflitos -entre "teorias" e "técnicas" de produção desse espaço e as práticas e sociabilidades que o constroem, experienciam e disputam cotidianamente.
doi:10.11606/t.102.2014.tde-24022015-101352
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