Hermenêutica e verdade: um apontamento

Jorge Coutinho
2019
1. A hermenêutica, que, como é sabido, foi primeiramente uma técnica de interpretação aplicada aos textos bíblicos, literários, jurídicos, filosóficos e teológicos, transformou-se, no último século, numa filosofia, com pretensão de ser mesmo a única filosofia possível. Nietzsche professou-a na teoria e na prática. Foi, porém, especialmente a partir de Heidegger e do seu discípulo Hans-Georg Gadamer que, no interior da viragem linguística da filosofia, a hermenêutica se tornou ela mesma uma
more » ... ofia, considerada pelos seus seguidores como a (única) via da nossa compreensão do mundo. A filosofia hermenêutica lida de diversas maneiras com a ideia e o problema da verdade. A relação entre hermenêutica e verdade anda ligada à relação entre hermenêutica e metafísica. Esta segunda relação tende hoje, na cultura filosófica tipicamente posmoderna, a ser vista em negativo ou, se preferirmos, em disjuntivo-exclusivo (aut-aut): ou hermenêutica ou metafísica. A opção mais generalizada dos filósofos hermenêuticos é pela primeira: hermenêutica, sim; metafísica, não. Chegou-se ao fim da metafísica. A história desta é considerada, desde Nietzsche com reforço em Heidegger, como um desvio do verdadeiro pensar filosófico. Neste segundo, porém, ao contrário do primeiro, a exclusão da metafísica não implica a exclusão da pretensão de verdade e da preocupação por (re)conduzir os caminhos da filosofia na senda da sua procura. Como quer que seja, o advento da filosofia hermenêutica obrigou a repensar, aprofundando-a, a problemática da verdade, na mira de uma mais apurada verdade sobre a verdade. xxxiii (2003) didaskalia 433-445
doi:10.34632/didaskalia.2003.1595 fatcat:oisugfaexjh5vpreij4oevagdu