A CASA DOS EXPOSTOS: SINAIS DE IDENTIFICAÇÃO

Hilda Agnes Hübner Flores
1986 Estudos Ibero Americanos  
o presente trabalho faz parte de uma pesquisa em andamento, sobre a qual já foi publicado artigo -A Casa dos Expostos -de autoria de Moacyr Flores, no n? XI/1985 desta Revista. A pesquisa trata da Casa dos Expostos mantida pela Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, no período de 1838 a 1934, período esse em que atendeu 2500 crianças abandonadas por seus pais ou responsáveis para receberem criação aos cuidados da Santa Casa e às expensas, em grande parte, da caridade pública. Estas
more » ... , a maioria recém-nascida, estariam relegadas ao completo anonimato, não fossem os cuidados da Santa Casa de anotar criteriosamente nos Livros de Matrícula e Registro da Casa dos Expostos, o enxoval e outros objetos que as acompanhavam. Constituem estes objetos, mais que meros "sinais de identificação", verdadeiro espelho da sociedade oitocentista, retratando usos e valores, con texto sócio-econômico, preceitos religiosos, crenças, conceito de caridade, sanções sociais, dependência econômica interna e externa, nível cultural, habilidades artesanais, relação de dependência na sociedade patriarcal e outros. Os dados aqui usados referem-se ao século XIX, carecendo a pesquisa ainda de fichamento de dados até 1934 e confron to com informes de outras fontes, como Livros Tombo e de Registro pertencentes a outras instituições da época. Isto dito, passamos a algumas considerações referentes aos Sinais de Identificação, constituídos basicamente de "enxoval" e de comunicação es-I crita (bilhetes ou cartas), que acompanhavam os menores expostos, implorando. receber da Casa da Roda a caridade da criação e formação tolhidas pelas imposições sociais que incitavam o machismo mas condenavam o fruto de amores ilícitos e descuidava da assistência promocional às camadas inferiores da população. Estudos Ibero-Americanos, XII{l) -86 1. Enxoval. Deve ser analisado sob diferentes aspectos: peças de vestuário, qualidade de tecido, adornos e adereços vários, como indicadores dos padrões sócio-culturais usuais no período oitocentista. 1.1. Peças de vestuário. As mais freqüentes eram: cueiro e mantilha (quase sempre do mesmo tecido e cor: baeta encarnada), camisa, cinteiro, toalha, pano (ou trapo), lenço (de três ou quatro pontas, muitas vezes com iniciais bordadas em uma das pontas; servia para envolver a cabeça, que devia estar sempre bem protegida), timão (a partir do terceiro quartel do séc. XIX, substituído por casaquinho), barrete ou touca, camisola, esta mais usual na segunda metade do século XIX. Era menor a incidência de crianças que vestiam ou traziam trouxa com: meias, corpinho, lençol, travesseiro (raros), babador, vestidinho, sapato e botins (muito raro), rodaque (colete), .tira de umbigo e fraldas, estas sempre muito parcimoniosas (uma dúzia era raridade), indício de higiene precária, certamente um dos fatores da elevadíssima mortandade infantil. No mínimo duas em cada três crianças morriam, elevando-se este índice a 45% no período farroupilha. Com o uso de amas de leite, a mamadeira é verdadeira excessão, aparecendo a primeira e uma das raras na década de 1860. Sem constituírem propriamente "peças de vestuário", crianças de enxoval muito humilde, ou inexistente, vinham enroladas em saia usada de mulher, cortina ou colcha velha, manga de camisa ou trapos velhos, numa demonstração de extrema miséria. En tre os malefícios inerentes à guerra está o desequilíbrio sócio-econômico que desarticula a sociedade e abala a estrutura familiar. Foi o que se verificou nas três guerras que o Império sustentou no sul: a Farroupilha, a Platense e a do Paraguai.
doi:10.15448/1980-864x.1986.1.36135 fatcat:2oarunw2gbbtfd52yvfeapl2sm