Memorial acadêmico para Professor Titular

Tânia Maria Baibich
2017 Educar em Revista  
Apresentação De tudo não falo. Não tenciono relatar ao senhor minha vida em dobrados passos; servia para quê? Quero é armar o ponto dum fato, para depois lhe pedir um conselho. Por daí, então, careço de que o senhor escute bem essas passagens: da vida de Riobaldo, o jagunço. Narrei miúdo, desse dia, dessa noite, que dela nunca posso achar o esquecimento. O jagunço Riobaldo. Fui eu? Fui e não fui? Não fui! -porque não sou, não quero ser. Deus esteja! Guimarães Rosa No cumprimento do requisito
more » ... cial para obtenção do título de Professora Titular do Departamento de Teoria e Prática da Educação da UFPR, elaboro este Memorial Descritivo para que seja julgado por banca de professores titulares, cujos nomes e currículos foram aprovados no âmbito de meu Departamento e Setor. Percorrer novamente a trajetória construída na vida acadêmica, agora de um gole só, para alcançar o termo da narrativa, identificando o fluxo do "sangue quando fervia" (HOLANDA; PONTES, 1975) e selecionando alguns elementos fractais que logrem expressar o paradigma político-epistemológico-afetivo ao qual me vinculo, é uma viagem emocionante que encanta e dói, veste e desnuda. Cercar e definir o memorável merecedor de fazer parte da vitrine que se apresenta como referência ao estoque construído em trajetória formativa e profissional é uma atividade prazerosa ainda que temerária. Assemelha-se às incursões que fazemos em meios que não o nosso, seja no mergulho, seja no voo. Mesmo no caso de um memorial acadêmico, cuja comprovação de fatos e de feitos encontra-se bem ancorada em currículo formal, o texto que resulta deste exercício é tonalizado pela ideologia, sentimentos e graus de coragem do memorialista. Mostra e esconde, sublinha e apaga, criptografa e traduz. As memórias de personagens, criações, atitudes, atribuição de sentidos de um determinado período da vida carregam, no produto, o barro ainda molhado porque o autor as recria ao contar. E, mais além, elabora vínculos dentre fases e motivos que dantes não havia elaborado, mas cuja conexão surge do desejo de reunir as memórias em uma totalidade consentânea, harmônica, íntegra, que demonstre o ela mesma que ela é. Olhar para minha vida profissional com o propósito de elaborar uma peça desta natureza suscita uma mescla de tensões emocionais. Deparar-me com o último degrau da carreira na qualidade de autora deste Relatório de Viagem, revisitando minha própria história, me produz muito orgulho e muito me assusta, defrontando-me, agora como quem finalmente compreende, com a lição do Nobel de literatura que disse: "não há nada mais perigoso que memória escrita". (GARCIA MÁRQUEZ, 2009, p. 160). Dentre as decisões difíceis na elaboração de um Memorial de vida acadêmica, me deparei com a escolha da forma de apresentação das memórias. Sigo calendários, sigo funções desempenhadas, sigo a formalidade de ensino, pesquisa, extensão e gestão, sigo o coração? "De cada vivimento que eu real tive, de alegria forte ou pesar, cada vez daquela hoje vejo que eu era como se fosse diferente pessoa. Sucedido desgovernado. Assim eu acho, assim é que eu conto. [...] Têm horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data. O senhor mesmo sabe." (GUIMARÃES ROSA, 2006, p. 90). Pois assim eu acho, assim é que eu conto.
doi:10.1590/0104-4060.51039 fatcat:5224mwyz2nf2fohrkpeccmtsxa